O Transtorno Depressivo Maior (TDM) consiste em um transtorno médico com elevada prevalência, cujo curso tende a ser crônico e recidivante, sendo influenciado por fatores biológicos, psicológicos e ambientais. O TDM está associado a um comprometimento significante funcionalidade e da qualidade de vida para os pacientes, ocasionando elevado prejuízo funcional e emocional.
Acredita-se que aproximadamente 322 milhões de pessoas vivam com TDM no mundo. No Brasil, aproximadamente 11,5 milhões de pessoas apresentam o diagnóstico, números que nos tornam o 5º. país do mundo em números absolutos de casos.1 Além disso, os dados atuais destacam que a remissão completa dos sintomas deve ser o objetivo principal no tratamento do TDM, uma vez que a presença de sintomas depressivos residuais está associada a maiores riscos de recaída e/ou recorrência, pior prejuízo do funcionamento global e pior prognóstico, incluindo maior associação com comportamento suicida.2,3
Apesar de a farmacoterapia para o tratamento do TDM ter evoluído com o aparecimento de outras moléculas, com melhora nos perfis de segurança e tolerabilidade,2 sabe-se que aproximadamente 50% dos pacientes com TDM não respondem adequadamente à primeira escolha terapêutica antidepressiva. Além disso, 60 a 70% dos pacientes com TDM podem não alcançar controle completo dos sintomas após duas a três tentativas de tratamento adequadas, configurando a presença de depressão resistente ao tratamento (DRT).3,4 Estudos sugerem que, conforme o critério de DRT utilizado, de 20 a 30% dos pacientes com TDM podem apresentar DRT, constituindo-se a mesma em um grande desafio da Clínica Psiquiátrica, uma vez que tais pacientes utilizam mais recursos dos serviços de saúde mental, são mais propensos a exigir internação e apresentam maior risco de comportamento suicida do que os pacientes com TDM não-resistente, apresentando pior qualidade de vida, pior funcionamento interpessoal e maiores taxas de ideação e comportamento suicida.4-8
Em função do alto custo e elevado impacto negativo funcional e social associados ao TDM, das suas baixas taxas de remissão após tratamento com antidepressivo de primeira linha e do aumento recente da disponibilidade de agentes terapêuticos com mecanismos de ação variados, torna-se necessária a elaboração de protocolos que evidenciem opções terapêuticas que favoreçam o alcance da remissão terapêutica no TDM, em especial naqueles pacientes com DRT.2-4
Diversas estratégias farmacológicas e não-farmacológicas podem ser utilizadas no tratamento da DRT, incluindo troca de antidepressivos, potencialização com outros fármacos, neuromdulação (ex: eletroconvulsoterapia), psicoterapia e atividade física. Além disso, novos alvos e estratégias farmacológicas têm sido estudados.9 Nos últimos anos, percebeu-se que um fármaco com propriedades anestésicas também poderia apresentar efeito antidepressivo, inclusive em casos de DRT. Trata-se da cetamina, descoberta na década de 1960. Posteriormente, a sua ação antagonista de receptores do glutamato/aspartato (receptores N-metil-D-aspartato ou NMDA) foi evidenciada, sendo tal mecanismo um importante neurotransmissor envolvido na modulação de várias atividades cerebrais. Sabe-se atualmente que, para além da disfunção monoaminérgica, a disfunção glutamatérgica está envolvida na fisiopatologia do TDM. Assim, a cetamina passou a ser alvo de diversas pesquisas para entender seu potencial de regulação neuronal para transtornos mentais e possibilitar uma alternativa ao tratamento da DRT, em especial nos pacientes com ideação e/ou comportamento suicida.10-13
Nesse contexto, diversas pesquisas já indicaram que a cetamina, infundida em doses baixas (sub-anestésicas) por via endovenosa, subcutânea e/ou intranasal, dentre outras vias de administração, apresentou rápido efeito antidepressivo. Nos Estados Unidos, a Food And Drug Administration (FDA), agência federal de regulação e controle de medicamentos, aprovou, em 2019, a comercialização de um isômero da cetamina (escetamina) para a terapia da DRT.8 Ensaios clínicos têm observado maior eficácia da cetamina na remissão dos sintomas depressivos em pacientes com DRT em relação ao grupo-placebo, ressaltando-se o seu rápido início de ação. Além disso, pacientes com ideação/comportamento suicida têm apresentado taxas de remissão mais elevadas quando comparados ao placebo.10-13
Por fim, observa-se que o TDM permanece como um grande desafio à Psiquiatria, uma vez que tais pacientes utilizam mais recursos dos serviços de saúde mental, são mais propensos à necessidade de internação, apresentam alto custo anual, pior qualidade de vida e pior funcionamento interpessoal, havendo a necessidade da produção e da incorporação de novas tecnologias e intervenções farmacológicas e não-farmacológicas que contribuam para uma reposta clínica mais consistente e segura.11-13
Por Prof. Dr. Gerardo Maria de Araújo Filho
CRM/SP: 105.714 RQE: 50368 (Psiquiatria) e 50368-1 (Psicogeriatria)
- Médico Psiquiatra e Psicogeriatra, membro titular da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)
- Residência Médica em Psiquiatria e Psicogeriatria pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Mestre e Doutor em Neurociências pela UNIFESP, Pós-Doutor em Psiquiatria pela UNIFESP
- Docente do Departamento de Ciências Neurológicas, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP)
- Coordenador do Programa de Formação em Psiquiatria do Hospital São Marcos – Jaboticabal/SP