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Transtornos mentais e seus impactos na sinistralidade dos planos de saúde. Estudo baseado em evidências comprova sua causalidade

O transtorno do pânico (TP) pertence ao grupo dos transtornos de ansiedade, sendo caracterizado pela ocorrência de repetidos e inesperados ataques de pânico, nos quais predominam os sintomas somáticos, intensa apreensão e medo relacionados à ideia de perda de controle ou de morte iminente. A expressão desse medo é dada por sintomas somáticos e cognitivos como taquicardia, sudorese, falta de ar, desrealização, despersonalização, medo de enlouquecer ou morrer (APA, 2013). O TP é frequentemente acompanhado por agorafobia, que é o temor de se encontrar sozinho em lugares públicos, os quais tenham como característica a dificuldade de uma saída rápida, caso surja novo ataque de pânico.

Como chama a atenção Fleet et al. (2000), 6 dos 13 sintomas associados ao TP são também achados frequentes em doenças do coração, como dor torácica, palpitações, sudorese, sensação de asfixia, sufocação e ondas de calor. Entre os sintomas somáticos que o paciente pode apresentar, a dor torácica exerce papel preponderante, reforçando a ideia de que ele esteja desenvolvendo problema cardiovascular grave, ameaçador à vida, levando à repetida busca por atendimento em unidades cardiológicas ou outros serviços de emergência. A isquemia miocárdica desenvolve-se quando o fluxo de sangue coronariano se torna inadequado para alcançar as exigências metabólicas miocárdicas e manter a função cardíaca adequada. Sua principal causa é a doença arterial coronariana (DAC), e a mais comum manifestação clínica da isquemia miocárdica é a dor torácica (Soares Filho et al., 2007).

O indivíduo acometido por ataques de pânico frequentemente acredita estar apresentando um quadro cardiológico grave, como infarto agudo do miocárdio, e o primeiro atendimento é comumente realizado em unidades de emergências cardiológicas. Um estudo que observou pacientes atendidos em departamentos de emergência com sintoma de dor torácica e avaliados por meio de teste ergométrico ou arteriografia coronariana, uma entrevista psiquiátrica, prévia à cardiológica, revelou dados significativos. Dos 1.364 pacientes com dor torácica, 411 apresentavam TP e destes, 306 não tinham diagnóstico de DAC. Por outro lado, dos 1.364 pacientes, apenas 248 apresentavam DAC sem TP. Algumas conclusões importantes podem ser tiradas desse estudo. Dentre aqueles que chegaram à emergência com dor torácica, 30,1% apresentavam TP e 22,4% tinham TP sem DAC. Analisando apenas aqueles com TP, 74,4% não apresentavam DAC (Lynch and Galbraith, 2003).

Dessa forma, em razão tanto da superposição dos sintomas entre DAC e TP, principalmente a dor torácica, como pela natureza recorrente dos ataques, indivíduos com TP utilizam os serviços de emergência com maior frequência do que a população geral, elevando os custos com assistência médica. Além disso, nesses pacientes, o diagnóstico de TP raramente é realizado. Um estudo realizado em departamento de emergência (Fleet et al., 2000) com pacientes apresentando dor torácica observou que, dentre os que apresentavam critérios diagnósticos para TP, apenas 2% tiveram o diagnóstico correto no momento da chegada. Em outro trabalho (Wulsin et al., 1988), também realizado em departamento de emergência, o diagnóstico de transtorno psiquiátrico foi feito em apenas 1 de 30 pacientes com TP, revelando, portanto, a ausência do diagnóstico em 97% dos atendimentos. A ausência de conhecimentos e protocolos relativos à TP em emergências gerais e unidades cardiológicas pode acarretar consequências potencialmente graves, tais como piora de evolução do paciente, que permanece sem diagnóstico e tratamento adequados para TP, acarretando em idas frequentes em ambientes de emergência clínica e de unidades coronarianas, com maior risco de procedimentos e exames desnecessários, onerando o sistema de saúde (Soares Filho et al., 2007).

Além das situações anteriormente colocadas, dados da literatura têm demonstrado que investigações negativas, por meio de avaliação clínica (Mayou etal., 1994) ou teste ergométrico (Channer et al., 1987), foram insuficientes para a supressão dos sintomas de pânico, das altas taxas de reutilização dos recursos médicos e do alto grau de dano no status funcional. Nem mesmo quando os pacientes são submetidos à investigação invasiva, por meio de coronariografia, os resultados normais são suficientes para gerar tranquilidade ou ausência de sintomas. Estudos de seguimento mostram que, independentemente do tempo de doença, os sintomas persistem enquanto o diagnóstico psiquiátrico não é realizado. Bass etal. (1983) acompanharam por um ano pacientes com dor torácica e coronariografia normal. Destes, 41% seguiam com queixas de dor torácica, 63% ainda se consultavam com médicos não psiquiatras e 24% eram incapazes de trabalhar, em função da dor torácica. Um segundo estudo de seguimento (Potts e Bass, 1995) acompanhou pacientes em condições semelhantes por 11 anos e constatou 74% desses pacientes ainda se queixando de dor torácica.

Em conclusão, os estudos têm observado que a dor torácica consiste uma queixa frequente entre os pacientes com TP, bem como entre aqueles que procuram atendimento em serviços de emergência. Tais pacientes podem apresentar quadros clínicos potencialmente graves das esferas cardiovascular, pulmonar ou gastrintestinal, mas também podem ser portadores de TP que, por sua vez, pode ocorrer em forma de comorbidade ou não aos referidos transtornos. Dessa forma, é de extrema importância uma boa avaliação clínica e psiquiátrica em pacientes com dor torácica que se apresentam em serviços de emergência clínica e cardiológica. O diagnóstico e o tratamento precoces, tanto da DAC quanto do TP, podem diminuir as complicações relacionadas a essas condições, bem como melhorar a qualidade de vida desses pacientes (Soares Filho et al., 2007) e reduzir os custos de sinistralidade significativamente para o sistema de saúde ainda mais nesse momento que vivenciamos em 2023 com resultados negativos para todos os envolvidos.

Por Prof. Dr. Gerardo M. A. Filho

Referências bibliográficas:

Associação Psiquiátrica Americana. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, 5ª. edição (DSM-5).
Artmed, Porto Alegre, 2013.

Bass, C.; Wade, C.; Hand, D.; Jackson, G. Patients with angina with normal and near normal coronary arteries: clinical
and psychosocial state 12 months after angiography. BMJ (Clinical Research Edition) 287:1505-8, 1983.

Channer, K.S. et al Failure of a negative exercise test to reassure patients with chest pain. Q J Med 240:315-322, 1987.
Fleet, R.P.; Lavoiea, K.; Beitmane, B.D. Is panic disorder associated with coronary artery disease? A critical review of
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Lynch, P.; Galbraith, K.M. Panic in the emergency room. Can J Psychiatry 48:361-366, 2003.
Mayou, R.A. Chest pain, palpitations and panic. Journal of Psychosomatic Research 44(1): 53-70, 1998.

Potts, S.G.; Bass, C.M. Psychological morbidity in patients with chest pain and normal or near-normal coronary arteries:
a long-term follow-up study. Psychol Med 25:339-47, 1995.

Soares Filho, G.L.F., Valença, A.M., Nardi, A.E. Chest pain and panic disorder: physical symptom or coronary heart disease
presentation? Arch. Clin. Psychiatry (São Paulo) 34 (2); 2007. https://doi.org/10.1590/S0101-60832007000200006

Wulsin, L.R.; Hillard, J.R.; Geier, P.; Hissa, D.; Rouan, G.W. Screening emergency room patients with atypical chest
pain for depression and panic disorder. Int J Psychiatry Med 18:315-23, 1988.